21 outubro 2008

Parabéns a Mim


Acordo sem sono, num esgar de impaciência do corpo adormecido. Os ponteiros incansáveis do relógio informam-me de que são cinco da manhã. Apercebo-me que esta noite, para além do silêncio oxigenado pela lua cheia, só existo eu. Sinto-me...Como é bom estar viva...

O coração a comandar as tropas do sangue que galopam pelas veias a disparar oxigénio para todas as ilhas do corpo. O cérebro a contar os tostões do pensamento e a apontar a contabilidade da vida no caderno rasurado da memória. E a alma, eterna fugitiva das grades materialistas da Ciência, encontra o seu refúgio a meio caminho, no último instante entre o sentir e o pensar.

Aqui, nesta noite cercada pela intensa magnitude da escuridão, escrevo a minha consternação alegre por poder desfrutá-la. Percorrendo a cronologia do passado, avisto inúmeros rostos que podiam ser o meu. Sob que desígnios sábios e ulteriores a nós próprios nos é concedido um rosto? Eu sou Eu. E, em ocasiões determinadas pelo germinar da felicidade amplamente desencravada dos terrenos calcários da possibilidade, este saber de mim própria refresca, com a intensidade das paixões proibidas, tudo o que sou.

Hoje a madrugada antevê o sol do meu aniversário. Descubro que quero receber muitos presentes, não daqueles de conteúdos efemeramente materiais, mas daqueles embrulhados na utopia.

Quero umas pastilhas elásticas com sabor a sol e a céu azul. Quero uns ténis específicos para correr na maratona dos sonhos. Quero um colchão anatómico para prevenir todas as noites a má postura da alma. Quero uns óculos que só ampliem a felicidade. Quero um quadro do passado pintado com as tintas da alegria. Quero um cachecol que proteja dos contratempos. Quero aspirinas para curar as tristezas do caminho. Quero os lápis de cor que me serviram para colorir a brevidade sorridente da infância. Quero que o espelho me devolva sempre a minha face, e não outra qualquer deturpada pelos outros ou inventada por um qualquer futuro que não seja o meu. Quero que todos os que habitam em mim se imobilizem na fugacidade do tempo e adquiram assim a consistência praticamente eterna das rochas. Quero segredos, muitos, contados pelos minúsculos átomos de sabedoria, que espero um dia virem a habitar-me total e permanentemente. Quero mais momentos assim, suspensos da ponta da caneta, à espera que os seus ruídos de algodão doce se inscrevam na memória do papel. E quero um pack de 365 noites como esta, em que a vida se apresenta numa lata de abertura fácil, escorrendo sob a forma de um líquido denso, púrpuro, brilhante, único e orgulhoso – Eu.

Por tudo isto e muito mais, o copo de champanhe que me escorrega com fremente ansiedade pelas mãos, merece ser tragado de um só golo. Parabéns a Mim!

(Como é bom ter a oportunidade de ser Eu no mundo previamente trilhado do convencional!)

1 comentário:

Vasco Gaspar disse...

Muitos PARABÉNS!!!