Do alto dos meus vinte e tal anos só me apetece injuriar os energúmenos que inventaram as típicas histórias infantis e as criaturas boçais que insistem em contá-las, quais cassetes riscadas pela infrutífera passagem dos anos, aos filhos, aos netos, aos sobrinhos, aos afilhados, enfim, a tudo o que acabou de se estrear no mundo com a pompa, circunstância e, quiçá, felicidade da ignorância. Como se já não bastassem as inúmeras dificuldades que qualquer criatura imberbe tem de enfrentar (abandonar o instinto primata de progressão no terreno em quatro patas, conseguir fazer boa figura aquando da deglutição da papa e afins comestíveis, parar de grunhir berros atrozmente medonhos resultantes da abertura pouco parcimoniosa da goela, e aplicar o conceito modernamente higiénico de sanita), ainda a sobrecarregam com as ditas fábulas para crianças! Histórias que pretendem ser fantásticas mas que, na prática e a longo prazo, se revelam lamentavelmente nocivas para o cérebro singelamente ingénuo destas amostras de gente.
Eu própria fui afectada por este fenómeno mitómano perigosamente disseminado por toda a sociedade. Cresci a acreditar que uma data de coisas eram possíveis; baseei todas as minhas crenças e sonhos em alicerces que, à medida que fui crescendo, foram revelando uma consistência perigosamente periclitante. E sofri amargamente quando descobri que todas estas histórias da carochinha não passavam de um tremendo embuste para apaziguar as minhas ansiedades tenras de chavala minorca. Como prova de tudo isto, vou enumerar todas as aldrabices monumentalmente vergonhosas que me contaram, vandalizando-me selvaticamente a mente ao ponto de hoje em dia ser apelidada de louca por ainda desconfiar que o impossível se trata, afinal, de algo amplamente exequível:
O Capuchinho Vermelho
Quem não se lembra da menina, vestida de vermelho, que vai pelo bosque para visitar a avozinha e que, quando está a apanhar cogumelos, ou flores, ou o raio que a parta, dá, subitamente, de caras com o lobo mau? O lobo que, posteriormente, qual fã incondicional do Darwin, a vai tentar ludibriar com os argumentos de que a suas orelhas e os seus olhos cresceram em virtude, única e exclusivamente, das necessidades impostas pelo meio exterior. Este diálogo entre a netinha e a pseudo avozinha tem um je ne sais quois de perverso que agrada à maioria dos futuros tarados.
No entanto, as incongruências da história são muitas. Por exemplo, não obstante o sacana do lobo comer a avozinha, a dita idosa não só não morre, como o caçador faz o obséquio de a retirar da barriga do quadrúpede maléfico, atafulhando-lhe o bucho com uma colecção de pedregulhos. Logicamente, com este exemplo, cresci a pensar, não só que na sequência de ingerir um bife, me podia sair disparada uma vaca pela cavidade abdominal, como também que nunca se morre, e que o Bem vence sempre o Mal, sendo este último eternamente punido pelas suas infâmias. Até agora não vi nada disto a ser posto assiduamente em prática no ringue bárbaro e mortal da humanidade.
O Pinóquio
Este monstrinho de madeira vinha sempre à baila quando o objectivo se tratava de nos dissuadirem de mandar tangas. “ Olha que te cresce o nariz!”; “Olha o que aconteceu com o Pinóquio!”; “Se não queres ficar como ele não podes mentir!”
Desde quando é que uma mentira faz com que as narinas se dilatem e se contorçam até se expandirem monumentalmente para a frente? Se assim fosse, o nariz de quem nos contava este absurdo, já era demasiado infinito para ser, sequer, medido.
O Príncipe Encantado
O popular Príncipe Encantado, um garanhão irresistível e bondoso, fez as suas primeiras aparições na Cinderela e na Bela Adormecida, e, foi tal o seu sucesso, que a sua figura de cavaleiro andante se perpetuou no tempo, tendo sido incluída em todos os filmes românticos da Humanidade desde então. O problema acerca desta personagem apetecível é que faz com que toda a vida membros de ambos os sexos deambulem por aí, esperançosamente e com requintes de desespero, no intuito de encontrarem a pessoa mais que perfeita, a pessoa que na realidade não existe, porque, obviamente, para habitarmos racionalmente este globo imperfeito, temos de ser humanos, o que consequentemente significa: algo defeituosos. E, ainda que assim não fosse, desconfio que, no caso de certas mulheres, se o dito príncipe nunca lhes chegasse a cavalo ou de outra qualquer maneira assaz pomposa, nenhuma acreditaria que se tratava realmente do elemento da realeza porque esperaram embasbacadas, aturdidas pelo bater das doze badaladas e zonzas pela ressaca das abóboras, durante uma vida inteira.
A História da Carochinha
A Carochinha ensina às moças casadoiras a melhor estratégia para pescarem um noivo à maneira. Segundo a história, basta tomar um bom banho, vestir um vestidinho da moda e ir até à janela gritar a célebre frase: “Quem quer casar com a Carochinha que é bonita e perfeitinha?”. E é garantido que o João Ratão vai aparecer mais tarde ou mais cedo. A técnica usada é parecida com os pregões da praça utilizados na venda do peixe, pelo que concluo que as profissionais deste negócio não devem ter falta de maridos, ao contrário de muitas outras, fiéis praticantes de outros ofícios, que, à luz do sucesso da bicharoca bicolor, deviam parar de se inscrever em agências matrimoniais, estancar todas as actividades coquetes empreendidas na caça ao homem e ir para a varanda acenar aos transeuntes. Que bonito o mundo seria se as mulheres seguissem à risca este conselho e se tornassem meros bibelôs falantes a adornar o betão da civilização!
Os Três Porquinhos
Nesta história são exaltados os esforços e empenho do terceiro porquinho que luta para construir uma casa de pedra, enquanto que os seus outros dois irmãos de pocilga coçam a pevide. O desgraçado do lobo, eterno massacrado dos contos infantis, torna a sofrer as consequências do seu apetite voraz e acaba esfrangalhado num caldeirão. Aqui, a lição a retirar é a de que toda a gente é recompensada pelo seu trabalho... A minha mente vacila sobre a veracidade desta premissa...Imagine-se que o filho do terceiro porquinho herdava a fortaleza de pedra construída com o suor malcheiroso do progenitor suíno, onde é que fica a moral da história com esta alteraçãozinha banal?!? É caso para dizer que, neste caso, a moral da história vai com os porcos...Está mal! Não vivemos em nenhum antro bolchevique e, como tal, todas as tretas que nos contam desde chavalos deveriam reflectir a democracia moderna que, ainda que muito timidamente, nos rege.
A Branca de Neve e os Sete Anões
No que respeita à Branca de Neve, essa devassa que não se consegue contentar só com um anão, há que dizer que constitui um hino escabrosamente perigoso à poligamia que, como se sabe, é estritamente proibida e condenada pelos povos ocidentais. É vergonhosa esta plantação precoce das sementes da variedade sexual socialmente aceite nas fantasias dos putos, quando a sua futura matança com desfechos monogâmicos é algo que já se conhece à partida.
Concluindo e resumindo: fica aqui o meu modesto apelo para a substituição destas mais que ultrapassadas quimeras por histórias da vida real, mais ao estilo do Gato das Botas (o gatinho dócil que só precisa de um saco e de um bom par de sapatos para desvelar a sua astúcia através de actos tão perniciosos como ameaçar, enganar e matar) que, ao invés de deturparem cerebrozinhos em formação, vão apenas prepará-los para enfrentarem a autêntica selva que é o mundo! Estas invenções calamitosas são contraproducentes pois, na realidade, destinam as criancinhas indefesas a um futuro de revolta e infelicidade. Já para não falar do seu contributo na deturpação da imagem do lobo mau, um ser apresentado como supostamente vil mas que, contudo, se limita apenas a colocar em prática os seus fisiologicamente incontroláveis instintos de sobrevivência, como qualquer compêndio de Biologia poderá facilmente atestar.
PS: Passados estes anos todos, e não obstante o meu cepticismo antagónico em relação a estas histórias infantis, continuo a querer conhecer o Aladino. Acalento secretamente o sonho de lhe espetar um balázio na tromba mal ele me informe sobre a localização da lâmpada mágica com o respectivo génio que nela habita. Porque eu tenho muitos sonhos e porque eu sei que o génio, por ser dessa classe à parte da genialidade, não ia faltar à promessa que fez de conceder três desejos a quem o liberte do receptáculo onde está enfiado há milhares de anos.
Eu própria fui afectada por este fenómeno mitómano perigosamente disseminado por toda a sociedade. Cresci a acreditar que uma data de coisas eram possíveis; baseei todas as minhas crenças e sonhos em alicerces que, à medida que fui crescendo, foram revelando uma consistência perigosamente periclitante. E sofri amargamente quando descobri que todas estas histórias da carochinha não passavam de um tremendo embuste para apaziguar as minhas ansiedades tenras de chavala minorca. Como prova de tudo isto, vou enumerar todas as aldrabices monumentalmente vergonhosas que me contaram, vandalizando-me selvaticamente a mente ao ponto de hoje em dia ser apelidada de louca por ainda desconfiar que o impossível se trata, afinal, de algo amplamente exequível:
O Capuchinho Vermelho
Quem não se lembra da menina, vestida de vermelho, que vai pelo bosque para visitar a avozinha e que, quando está a apanhar cogumelos, ou flores, ou o raio que a parta, dá, subitamente, de caras com o lobo mau? O lobo que, posteriormente, qual fã incondicional do Darwin, a vai tentar ludibriar com os argumentos de que a suas orelhas e os seus olhos cresceram em virtude, única e exclusivamente, das necessidades impostas pelo meio exterior. Este diálogo entre a netinha e a pseudo avozinha tem um je ne sais quois de perverso que agrada à maioria dos futuros tarados.
No entanto, as incongruências da história são muitas. Por exemplo, não obstante o sacana do lobo comer a avozinha, a dita idosa não só não morre, como o caçador faz o obséquio de a retirar da barriga do quadrúpede maléfico, atafulhando-lhe o bucho com uma colecção de pedregulhos. Logicamente, com este exemplo, cresci a pensar, não só que na sequência de ingerir um bife, me podia sair disparada uma vaca pela cavidade abdominal, como também que nunca se morre, e que o Bem vence sempre o Mal, sendo este último eternamente punido pelas suas infâmias. Até agora não vi nada disto a ser posto assiduamente em prática no ringue bárbaro e mortal da humanidade.
O Pinóquio
Este monstrinho de madeira vinha sempre à baila quando o objectivo se tratava de nos dissuadirem de mandar tangas. “ Olha que te cresce o nariz!”; “Olha o que aconteceu com o Pinóquio!”; “Se não queres ficar como ele não podes mentir!”
Desde quando é que uma mentira faz com que as narinas se dilatem e se contorçam até se expandirem monumentalmente para a frente? Se assim fosse, o nariz de quem nos contava este absurdo, já era demasiado infinito para ser, sequer, medido.
O Príncipe Encantado
O popular Príncipe Encantado, um garanhão irresistível e bondoso, fez as suas primeiras aparições na Cinderela e na Bela Adormecida, e, foi tal o seu sucesso, que a sua figura de cavaleiro andante se perpetuou no tempo, tendo sido incluída em todos os filmes românticos da Humanidade desde então. O problema acerca desta personagem apetecível é que faz com que toda a vida membros de ambos os sexos deambulem por aí, esperançosamente e com requintes de desespero, no intuito de encontrarem a pessoa mais que perfeita, a pessoa que na realidade não existe, porque, obviamente, para habitarmos racionalmente este globo imperfeito, temos de ser humanos, o que consequentemente significa: algo defeituosos. E, ainda que assim não fosse, desconfio que, no caso de certas mulheres, se o dito príncipe nunca lhes chegasse a cavalo ou de outra qualquer maneira assaz pomposa, nenhuma acreditaria que se tratava realmente do elemento da realeza porque esperaram embasbacadas, aturdidas pelo bater das doze badaladas e zonzas pela ressaca das abóboras, durante uma vida inteira.
A História da Carochinha
A Carochinha ensina às moças casadoiras a melhor estratégia para pescarem um noivo à maneira. Segundo a história, basta tomar um bom banho, vestir um vestidinho da moda e ir até à janela gritar a célebre frase: “Quem quer casar com a Carochinha que é bonita e perfeitinha?”. E é garantido que o João Ratão vai aparecer mais tarde ou mais cedo. A técnica usada é parecida com os pregões da praça utilizados na venda do peixe, pelo que concluo que as profissionais deste negócio não devem ter falta de maridos, ao contrário de muitas outras, fiéis praticantes de outros ofícios, que, à luz do sucesso da bicharoca bicolor, deviam parar de se inscrever em agências matrimoniais, estancar todas as actividades coquetes empreendidas na caça ao homem e ir para a varanda acenar aos transeuntes. Que bonito o mundo seria se as mulheres seguissem à risca este conselho e se tornassem meros bibelôs falantes a adornar o betão da civilização!
Os Três Porquinhos
Nesta história são exaltados os esforços e empenho do terceiro porquinho que luta para construir uma casa de pedra, enquanto que os seus outros dois irmãos de pocilga coçam a pevide. O desgraçado do lobo, eterno massacrado dos contos infantis, torna a sofrer as consequências do seu apetite voraz e acaba esfrangalhado num caldeirão. Aqui, a lição a retirar é a de que toda a gente é recompensada pelo seu trabalho... A minha mente vacila sobre a veracidade desta premissa...Imagine-se que o filho do terceiro porquinho herdava a fortaleza de pedra construída com o suor malcheiroso do progenitor suíno, onde é que fica a moral da história com esta alteraçãozinha banal?!? É caso para dizer que, neste caso, a moral da história vai com os porcos...Está mal! Não vivemos em nenhum antro bolchevique e, como tal, todas as tretas que nos contam desde chavalos deveriam reflectir a democracia moderna que, ainda que muito timidamente, nos rege.
A Branca de Neve e os Sete Anões
No que respeita à Branca de Neve, essa devassa que não se consegue contentar só com um anão, há que dizer que constitui um hino escabrosamente perigoso à poligamia que, como se sabe, é estritamente proibida e condenada pelos povos ocidentais. É vergonhosa esta plantação precoce das sementes da variedade sexual socialmente aceite nas fantasias dos putos, quando a sua futura matança com desfechos monogâmicos é algo que já se conhece à partida.
Concluindo e resumindo: fica aqui o meu modesto apelo para a substituição destas mais que ultrapassadas quimeras por histórias da vida real, mais ao estilo do Gato das Botas (o gatinho dócil que só precisa de um saco e de um bom par de sapatos para desvelar a sua astúcia através de actos tão perniciosos como ameaçar, enganar e matar) que, ao invés de deturparem cerebrozinhos em formação, vão apenas prepará-los para enfrentarem a autêntica selva que é o mundo! Estas invenções calamitosas são contraproducentes pois, na realidade, destinam as criancinhas indefesas a um futuro de revolta e infelicidade. Já para não falar do seu contributo na deturpação da imagem do lobo mau, um ser apresentado como supostamente vil mas que, contudo, se limita apenas a colocar em prática os seus fisiologicamente incontroláveis instintos de sobrevivência, como qualquer compêndio de Biologia poderá facilmente atestar.
PS: Passados estes anos todos, e não obstante o meu cepticismo antagónico em relação a estas histórias infantis, continuo a querer conhecer o Aladino. Acalento secretamente o sonho de lhe espetar um balázio na tromba mal ele me informe sobre a localização da lâmpada mágica com o respectivo génio que nela habita. Porque eu tenho muitos sonhos e porque eu sei que o génio, por ser dessa classe à parte da genialidade, não ia faltar à promessa que fez de conceder três desejos a quem o liberte do receptáculo onde está enfiado há milhares de anos.
1 comentário:
HAHAHA
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