10 setembro 2007

Flexisegurança... uma questão de atitude(*)




Há uns tempos atrás circulou pela internet uma história de um português que foi fazer um estágio numa fábrica na Suécia.
Contava o português que ao deslocar-se para a fábrica, ele e o colega
sueco que o acompanhava chegaram cerca de meia hora mais cedo. O sueco deixou o carro estacionado no parque da fábrica a uns bons 70 ou 80 metros da entrada, ao que o português perguntou “mas se tens lugares vagos perto da entrada da fábrica
porque é que estás a deixar o carro tão longe?”.
A resposta foi elucidativa “Nós temos tempo, por isso podemos fazer o percurso a pé e deixar os lugares vagos para os colegas que chegam mais em cima da hora”.
Esta história é uma boa lição sobre a diferença de atitudes, e o impacto que as mesmas têm numa sociedade.
Falar de flexisegurança num País como Portugal, com uma mentalidade laboral ainda muito arreigada a valores como a competitividade pelo baixo custo da mão-de-obra, é apenas uma forma de passar o tempo.
Num País onde a lei protege a incompetência, onde é necessário ser altamente criativo para poder dispensar os colaboradores que não têm condições para ser competitivos, num mundo que cada vez mais exige às empresas que sejam competitivas, falar em flexibilizar as relações de trabalho só pode ser mesmo um exercício de retórica.
Andamos todos a enganar-nos uns aos outros.
Andamos todos a querer mostrar seriedade sem sermos
sérios.
No “Estado” (as aspas são deliberadas)ensinam-nos a protelar a precariedade com contratos sucessivos, tentando adiar ad eternum a falta de vínculo.
O Código do Trabalho introduziu a novidade de poder renovar mais uma vez os contratos a termo certo, por um período mínimo de 1 ano e máximo de 3.
O que eu mais ouvi, pelos finais de 2003 foi a frase “agora podemos ter as pessoas a termo até 6 anos”.
Isto não é flexibilizar, isto é aumentar a precariedade de emprego, aumentar o período em que se pode sempre utilizar a espada do medo de não renovar o contrato, para manter ao serviço as pessoas não numa perspectiva de valorização mas sim de falta de alternativa.
Sinceramente... e para quem está familiarizado com a gestão de recursos humanos, só ao fim de 6 anos é que se vai avaliar uma pessoa para saber se passa ao quadro ou não? Então o que se anda a fazer durante os primeiros 6 anos? Não se avaliam as pessoas? Não se estabelecem objectivos? Não se definem planos de desenvolvimento pessoal? Não se procura conhecer melhor as pessoas para as rentabilizar colocando-as nos postos mais adequados às suas competências? E estas são apenas algumas das questões que continuam por responder na maior parte das nossas organizações.

Andamos há anos a apregoar que “as pessoas são o nosso maior activo”, mas no fim de contas o que fazemos é deixar essas mesmas pessoas no limbo entre a renovação do contrato ou a caducidade do mesmo.
Isto porque se passamos a pessoa ao quadro logo se instala o medo “e se o tipo depois começa a portar-se mal... não o podemos pôr na rua”.
Também já vi muitas pessoas esperarem pacientemente, que nem cordeirinhos, até ao fim do conhecido “período experimental” para começarem a evidenciar
o que são verdadeiramente, ou seja, a darem razão aos empregadores para não lhes renovarem os contratos, ou seja, a culpa não é só de um dos lados.

De quem é a culpa?

Enquanto a nossa atitude como sociedade não se inverter,de nada vale andarmos a falar de flexisegurança, porque isso é assunto para sociedades mais avançadas, que não olham para a relação laboral como uma luta entre 2 adversários, mas como uma parceria com ganhos para ambas as partes.
Desenvolver relações ganhar-ganhar é o grande passo que deveríamos dar durante os próximos 10 anos pelo menos.
Nas escolas já deveriam há muito haver actividades e estratégias que conduzissem a
uma sociedade em que fosse valorizada a parceria, o “tu ganhas, eu ganho, nós ganhamos ainda mais”.
Em vez de competição, deveríamos apostar na coopetição, competir para ganharem ambas as partes...
e só depois deste ser um dos pilares das nossas atitudes enquanto sociedade, então sim falar de flexisegurança, ou seja, flexibilizar as relações laborais num ambiente de segurança para quem transita de uma ocupação para a outra, ganhando com isso a possibilidade de crescer através de mais treino, aquisição de novas competências, e com uma boa cobertura de risco por parte da sociedade.

Se avançarmos já para um modelo como a flexisegurança corremos o risco de fazer tudo errado. Não é possível, sem a preparação adequada, querer implementar de imediato os aspectos positivos de um modelo que demorou anos a ser consolidado.
Com o índice de fuga ao fisco e à segurança social que ainda temos, com o sentimento de que os sucessivos Governos não conseguem estancar a hemorragia do crescimento da Despesa Pública (utilizando de forma inadequada o dinheiro dos impostos), com a atitude continuada de procurar ‘buracos’ nas Leis (ainda somos um País de chico-espertos), considero que o caminho a seguir não deve ser imposto por decreto.
Devemos apostar como estratégia de País num bom sistema de educação que eduque as nossas crianças para atitudes de sucesso, num bom sistema fiscal não só com capacidade de fazer cumprir, mas também cumprindo a boa utilização dos dinheiros que
são de todos, e acima de tudo moralizando pelo exemplo, e valorizando as pessoas.

Se uma pessoa é valorizada, dará o melhor de si, elevando a sua auto-estima e capacidade de auto-motivação.

Se nas empresas valorizarmos as pessoas, dando-lhes a possibilidade de obterem formação e treino, avaliando as suas competências, definindo objectivos de desempenho e planos de desenvolvimento, proporcionando-lhes oportunidades de crescimento, certamente estaremos a contribuir para valorizar a sociedade enquanto um todo.

Prefiro 100 vezes proporcionar boa formação a 20 Colaboradores, e correr o risco de perder para outra empresa 2 ou 3 desses Colaboradores, do que não proporcionar essa formação com medo que se vão embora.
Escolhendo a primeira opção, pelo menos fico com 17 Colaboradores com formação, e assim todos ganhamos.
Ganho eu que fico com pessoas bem formadas, ganha a concorrência que obteve pessoas
com mais competências, e ganha o País porque valoriza as suas pessoas.
Se esta fosse a atitude de todos, aí sim poderíamos avançar para uma sociedade onde houvesse flexibilidade laboral e segurança para as pessoas que saiam de um emprego para outro.
Por enquanto acho que estamos a falar de uma utopia... mas temos que começar a trabalhar ontem nas premissas que nos levarão a um amanhã diferente e melhor.

HF

(*) Texto originalmente publicado no Anuário de Recursos Humanos 2007, editado pela IFE


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