04 março 2009

Duelos: D. Afonso Henriques VS Governo Actual

Desde há muitos anos que D. Afonso Henriques não tinha sossego. Na cidade de Guimarães, encafuado na sua morada de pedra, ele não parava de dar voltas no túmulo. De Lisboa, vinham-lhe os ventos do estado do país.

Como pai da pátria, começava a ficar seriamente preocupado com Portugal, o seu descendente javardo que praticamente desde o tempo do seu neto Manelinho, aquele que tinha pancada por caravelas, só se lembrava de se empanturrar com o presente, esquecendo por completo o futuro.

No entanto, ultimamente, o panorama andava mais preto do que nunca. Havia uma crise com umas pernas tão longas que já tinha chegado a todo o lado, havia a corrupção disseminada por todos os quadrantes políticos, havia o desemprego, havia as depressões, havia as catástrofes naturais...

“Meu Bom Deus” pensava D. Afonso Henriques, “Porque raio está esta hecatombe a trucidar o meu chavalo, o meu Portugalzinho? Se calhar tudo isto está a acontecer porque eu casei com a filha ilegítima do D. Afonso VI, ao contrário do c***** do Raimundo de Castela, que desposou a legítima, aquela trombuda da Urraca!”

D. Afonso Henriques andava tão preocupado com tudo isto que, ignorando as dores de costas provocadas pelos seus setecentos e muitos anos, perfurou o túmulo com os seus punhos encrespados pela velhice e montou o primeiro cavalo que encontrou, rumo à capital alfacinha. O cavalo estava um pouco trôpego devido à ração contaminada por salmonelas que consumia diariamente. Mas ainda continuava a trotar com alguma velocidade pois andava animado pela visita próxima da ASAE, que estava prestes a resolver este problema e a obrigar os seus fardos de feno a serem embalados em doses individuais.

Pelo que demorou algum tempo até o nosso rei chegar à assembleia da república. Depois, como os polícias não o queriam deixar entrar de espada em riste, apressou-se a cortar-lhes imediatamente a cabeça, tendo o cuidado de recolher as boinas dos bófias como recordação, hábito que ganhara nas múltiplas batalhas em que outrora participara.

A figura de D. Afonso era tão imponente que até a arrogância de José Sócrates esmoreceu mal ele entrou no salão circular.

- Meu caro rei, meu estimado D. Afonso Henriques, a que se dá a honra desta visita? – perguntou o primeiro ministro, claramente com o rabinho entre as pernas.

Este encolhimento súbito das nádegas de Zezinho deveu-se ao medo que D. Afonso viesse prestar contas consigo acerca do caso Freeport, pois reza a história que o nosso prezado rei gostava muito do sapal do Rio Tejo, onde passava largas temporadas entretido a caçar patos. Até há testemunhos históricos que vão mais longe e que afirmam que D Afonso Henriques só conquistou Lisboa aos mouros por causa das ditas aves.

- Resolvi voltar para acabar com esta merda toda que vocês andam por aqui a fazer!

- Será que nos poderia explicar qual é a merda? – perguntou um coro de vozes em uníssono.

- Esta! Esta merda! Esta porcaria que vocês andam aqui a fazer! – exclamou, apontando para as cadeiras sonolentas dos deputados. - Em vez de andarem à porrada com a crise e com o desemprego, vocês, seus inúteis, andam aqui a ter conversazinhas da chacha! Suas bestas! Suas criaturas boçais que só sabem palrar! Não foi com demagogia que eu fundei Portugal, seus ursos!

- Oh Sr D Afonso Henriques! Tenha paciência, mas o país não está em crise! Prevê-se até um crescimento substancial da economia para o próximo trimestre! Quer ver os relatórios do meu ministério? – Zezinho mostrava-se agora visivelmente indignado e agitava um maço de papéis na mão.

- Tu és mas é um ganda aldrabão! Já te calavas mas é... Toma lá uma destas para
ires mandar as tuas balelas às lagartixas debaixo da terra!

D. Afonso Henriques, munido do seu cassetete praticamente pré histórico, a fazer lembrar os Flinstones, deu uma bordoada tão potente na cabeça do primeiro ministro que esta imediatamente se abriu em duas partes, deixando entrever uns miolos catalogados com uma etiqueta rasca da Universidade Independente, nitidamente elaborada à pressão.

Ouviram-se vários aplausos. Paulo Portas, com o cabelo impecavelmente penteado e com os seus sapatos de berloques que se ouviam a tilintar à distância, ergueu-se na bancada parlamentar, e proclamou:

- Até que enfim, alguém teve a audácia de derrubar o nosso primeiro ministro! Meus amigos, é um sinal do futuro! Portugal está vivo! Sentiu-se nesta martelada o sopro do futuro!

- Calma aí oh florzinha! Falas muito mas não dizes nada de jeito. Portanto também mereces ir conviver com os bichos-de-conta!

O nosso distinto rei estava decididamente com sede de sangue e cortou a cabeça de Paulo Portas sem hesitações. Tal e qual um bom capataz, arrancou-a do suporte do pescoço à primeira, desencadeando uma sonora manifestação de admiração por parte dos deputados.

- Não há dúvida que o nosso rei é muito bom nisto! – ouvia-se o povo a comentar, com um orgulho indisfarçável.

- Ai ai ai, ai ai ai! Que isto assim não pode ser! Mas que raio de democracia é esta? – Francisco Louçã sentiu subitamente um demónio a possui-lo (mais propriamente um demónio com a cabeça incrustada de caracoletas sebosas) e proferiu estas palavras com indignação.

- Ai ai o car****! Tá mas é calado, oh cromo!

D. Afonso agarrou Francisco pelos colarinhos e estrangulou-o com as suas próprias mãos.


- Nunca pensei viver o suficiente para assistir a isto. O senhor é que era bom para reavivar o comunismo! – desabafou Jerónimo de Sousa.

- Não gosto das vossas ideias seus comunas de m****! Uma ova que somos todos iguais! Nas minhas batalhas eu matava mais de cem homens, enquanto que muitos pacóvios que por lá andavam não liquidavam nem um único estupor inimigo!

Jerónimo de Sousa, vendo que talvez tivesse chegado a sua hora, ainda se tentou escapulir por entre as bancadas, mas o hábil Afonso Henriques, recorrendo a uma fisga que trazia no bolso da sua armadura, derrubou-o com uma pontaria inumanamente certeira.

-Agora quem é que falta mais?

Diversas mãos apontaram para Manuela Ferreira Leite, que, quebrando o seu silêncio, disse apenas:

- Ora aqui está o oposto do coveiro da pátria. Este homem é antes o salvador da pátria! – anunciou, apontando para o nosso distinto rei.

Gostei das tuas palavras Manelinha! O Salvador soa-me bem. – comentou o rei. – Vou-te poupar a vida, até porque me lembras a Carlota Joaquina.

Após este acto complacente, D. Afonso Henriques continuou a sua carnificina até não sobrar nem um único deputado e nem uma única cabecinha aspirante à vida política. Findo este extermínio, anunciou alto e bom som à pátria:

- Portugueses! Nós somos os maiores! Estamos fartos de sermos tomados pelos pacóvios da Europa! Agora vamos mostrar-lhes como é que elas lhe mordem! Vamos começar por exterminar esses espanhóis detestáveis! Vamos conquistá-los! Às armas! Às armas! Marchar! Marchar!

E D Afonso Henriques, com uma força nas canetas admirável para aquela idade, marchou de Norte a Sul do país. Pela primeira vez há muito tempo, mais precisamente desde a inauguração do Colombo, o povo rejubilou. Mediante estes desígnios para o futuro, todas as casas hastearam uma bandeira em honra de D. Afonso Henriques, que prometia assim restituir ao país toda a sua grandeza.

Orgulhoso da sua influência, D Afonso Henriques via com satisfação que as suas ideias, apesar da sua extensa idade, nada tinham de anacrónico, sendo prontamente aceites pelo povo. Sendo assim, o nosso rei resolveu relegar um regresso descansado ao túmulo para se bater intensamente com os descendentes daquele infame Raimundo, que, há quase mais de mil anos, desposara a outra, a legítima, a mais boazona das filhas do rei da Península Ibérica.

“Ai Urraca, não eras nada trombuda, eras mas é linda, linda...” – pensava Afonso todos os dias antes de adormecer, pois a verdade é que só a comparava com um elefante quando era preciso dar uma de macho.

Enfim, o nosso rei era assim, ligeiramente temperamental...

Mas o que aconteceu depois serviu de exemplo a toda a história vindoura da humanidade.

Seguiu-se que, surpreendentemente, contrariando todas as tendências, os portugueses deixaram de ser um dos povos mais deprimidos do mundo. Isto aconteceu por várias razões. Primeiro, porque passaram a ter a quem dar porrada. Depois, porque passaram a ter a quem enganar, na medida em que apenas conseguiam transpor as fronteiras do país para dar conta dos espanhóis através de uma aguçada esperteza saloia. E por último, porque passaram igualmente a ter um motivo para festejar todos os dias, pois cada bater de bota dos nuestros hermanos dava azo a extensa comemoração amplamente regada com a vinhaça nacional.

Em suma, os portugueses rejubilaram de contentamento porque passaram finalmente a ter, não só um objectivo de vida, como também um líder à maneira. Não um Guterres, nem um Sócrates, mas sim um homem com 840 anos, detentor de uma experiência de vida claramente superior a qualquer um destes representantes políticos. Olé!

PS: Ao ler esta bela história, foi impossível para o meu coração de menina permanecer indiferente a uma paixão desta dimensão, e por isso fica aqui a minha proposta para a alteração do cognome do nosso primeiro rei em todos os compêndios de história. No lugar de ”O Conquistador”, deveria figurar “O Coração Mole”. Porque protagonizou duas belas histórias de amor: não só fundou um país por paixão às aves do sapal do Rio Tejo, como quis afundar outro por amor a uma mulher, mulher essa com um nome tão duvidoso como Urraca. E como Urraca me faz lembrar um daqueles exemplares femininos baixos, anafados e com um bigode a acenar por cima da boca, deduzo que o nosso rei a amasse mesmo muito porque só o amor é cego desta maneira.

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