Um boneco de neve que, mesmo sem sol, teimava em derreter. Uma árvore de Natal que não era vaidosa. Uma estrela que se recusava a brilhar. Um rei mago que detestava viajar. Um pai natal que não cabia na chaminé. Uma rena que era alérgica à neve. Um presente que, de tão pudico, não queria ser desembrulhado. Um S. José que tinha perdido o cajado. Um galo que fugia da missa. Um bacalhau que também queria cear Um duende que era ladrão. Uma lareira sem lume. Um sapatinho sem dono. Um menino Jesus idoso. Um jingle bells desafinado. Um peru magro. Um ramo de azevinho sem bagas venenosas. Um sino rouco. Um advento despojado dos dias. Um presépio sem figuras. Uma casa privada dos enfeites.
Era uma vez um Natal que, sem dar por isso, tinha perdido a alma, com a distracção própria de quem perde o que, em princípio, não pode ser perdido; como o mar quando perde as conchas na areia a cada piropo malandro que lhe envia através das ondas.
Era uma vez um Natal que, numa noite feia e sem estrelas, foi o anfitrião de uma família onde não havia amor e onde todas as crianças já tinham perdido a inocência.
Era uma vez um Natal que, ao ver-se ao espelho, não se reconheceu e quis deixar de ser Natal, tal foi o desgosto.
Era uma vez um Natal que não podia deixar de ser Natal por força dos calendários. Zelosos da sua função de guardadores do rebanho dos anos, os calendários não podiam deixar de assinalar o dia 25 de Dezembro. Os mesmos calendários que nos ditam a existência num sussurrar mudo de quem não nos quer assustar com a voragem dos dias douram, com a áurea fatídica da eternidade, o Natal.
Era uma vez um Natal que se tornou amnésico porque as pessoas eram indiferentes aos seus queixumes de fantasma com corpo.
Era uma vez um Natal que, sem existir, continuava a existir…
1 comentário:
feliz natal
Enviar um comentário