01 outubro 2007

O nó górdio da reforma


Carlos Antunes, desculpe mas vou "roubar-lhe" este artigo que publicou na RHOnline.

Um abraço,

HF



«Fui surpreendido pela positiva com as pessoas que encontrei na DGI, com as possibilidades de realização e com a sua generosidade. Vindo do sector privado, não imaginava a quantidade de pessoas de qualidade e com vontade de fazer melhor, num contexto difícil de redução de regalias e com uma média etária tão elevada».

Paulo Macedo, ex-Director-Geral dos Impostos («Expresso», 04/08/07)

Usando da minha prerrogativa de alguém ligado à ‘res publica’ proponho-me nesta crónica dissertar sobre a reforma da Administração Pública.

Consta que 333 anos A.C. o general Alexandre e as suas tropas chegaram a Frígia, uma cidade da Ásia Menor, para descansar. Enquanto por lá se encontravam, Alexandre ouviu a famosa lenda do nó de Górdio, cuja profecia dizia que quem desatasse o complicado e estranho nó tornar-se-ia rei da Ásia Menor. Reza a lenda que o rei de Frígia morreu sem deixar herdeiro e que o Oráculo afirmou que o próximo rei chegaria à cidade num carro de bois, e desse modo Górdio foi aclamado rei, tendo, por isso, decidido oferecer o seu carro de bois a Zeus, o Deus dos Deuses e para se lembrar da sua humilde origem o atou com um enorme e complicado nó num poste defronte do seu palácio. O seu filho e sucessor, Midas, conhecido na mitologia grega por transformar em ouro tudo o que tocasse, trouxe grande prosperidade ao seu reino, mas morreu também sem deixar herdeiro. É então que ouvido o Orácuclo este declara que quem resolvesse o nó de Górdio se tornaria o rei de toda a Ásia Menor.

Passaram-se muito anos sem que alguém conseguisse desatar o nó górdio. Intrigado com o facto, Alexandre, o Grande, decidiu ver o que tinha este de especial, e tendo-se colocado em frente do nó em silêncio, e depois de o analisar, desembainhou a sua espada e de um golpe forte e rápido cortou o nó, tornando-se assim o líder da Ásia Menor.

Lembrei-me desta lenda a propósito da Administração Pública quando constatei que foram publicados, desde o início em 2004 daquilo que se convencionou chamar como a «Reforma da Administração Pública» mais de 50 diplomas legais (o da avaliação de desempenho, mais conhecido por SIADAP, vai já na sua terceira versão) sobre a dita – estando anunciados a publicação até ao final do ano de mais alguns, nomeadamente os que se referem a vínculos, carreiras e remunerações – e à excepção das medidas de desburocratização e simplificação administrativa constantes do «SIMPLEX», baseadas no ‘e-government’ (onde parece ter registado uma subida significativa no ‘ranking’ europeu) nada de relevante parece ter mudado, pelo menos ao nível da ‘governance’ dos serviços públicos.

E não poderia deixar de ser assim, porque até agora a suprema linha orientadora da «reforma» (?) tem sido ditada pela preocupação de redução da despesa e do eterno problema do défice orçamental, esquecendo que o problema de fundo da nossa Administração Pública se centra em duas ordens de razões, de certo modo, interligadas entre elas, e que são…

- Em primeiro lugar, a politização das suas chefias de mais alto nível (directores-gerais e equiparados), que por fidelidade e clientelismo partidário são nomeados, não para gerirem os serviços, mas para assumirem funções de «controlo político» da Administração Pública. Com efeito, não me parece que sejam os funcionários os principais culpados da ineficiência da Administração Pública portuguesa (daí o intróito desta crónica), mas sim e sobretudo os seus dirigentes de topo que nomeados com base em critérios político-partidários, em vez de uma Administração Pública profissional e independente construíram nestes mais 30 anos de democracia uma administração fortemente politizada e altamente submissa ao poder e pouco ou nada independente, pois em cada momento o que está em causa para eles é o respectivo emprego, a remuneração e a organização de vida.

- Em segundo lugar, o de um Estado fraco, que me leva a afirmar que a asserção de que é necessário «menos Estado mas melhor Estado» deve ser substituída por uma outra, «mais Estado e menos Governo», no sentido de que necessitamos de Estado e de uma Administração Pública legitimada pela isenção e pela imparcialidade, quando aquilo a que assistimos é a uma história cheia de muito (des)governo, em que os governantes e os dirigentes da Administração Pública por eles nomeados aceitam docilmente que o bem comum ceda perante os interesses corporativos e dos grupos económicos e financeiros.

Lendas são lendas, mas julgo que também a «Reforma da Administração Pública» se encontra prestes a transformar-se numa lenda parecida com a de Alexandre, o Grande, sem que, seguindo o exemplo deste, ninguém tenha ainda conseguido desfazer o nó górdio da mesma.



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