15 maio 2008

As Nortadas de Abril

As Nortadas de Abril

Por: António Centeio

Sempre que posso vou até à Praia da Vieira. Nunca nos meses de maior confusão mas naqueles em que as pessoas são poucas e que todo o espaço é nosso. Sinto-me uma criança quando vagueio nas poucas ruas estreitas e empedradas ou naquelas manhãs prazenteiras em que se cheira a terra molhada. Quando respiro o ar fresco da manhã sinto a minha alma sorrir para a mãe natureza. Na Praia da Vieira, o Céu e a Terra parecem tocar-se e fundir-se numa só essência.
Um dos locais de repouso obrigatório é na esplanada do café do meu amigo Lello que nas horas vagas adora desenhar no papel aquilo que a sua imaginação lhe transmite. Às vezes é tão perfeito naquilo que faz que até consegue desenhar o som de uma lágrima a cair.
Os seus desenhos são ex-libris. É o conteúdo que gosta de oferecer ou mostrar a quem perde horas na mais genuína cavaqueira. Conta-nos parte das aventuras que já teve quando, percorreu parte do mundo, para mais tarde regressar às origens. Diz que todas as viagens têm destinos que não compreendemos. Ainda hoje adora viajar sem destino, pelo simples prazer de viajar, possivelmente uma das razões do seu mistério quanto a viagens como dos Sete Sois, simbologia esotérica que acompanha os viajantes e que estes desconhecem na magia nos números.
Agora que já calcorreou meio mundo explora este espaço. Nas noites quentes é normalmente ocupado por pessoas que aqui gostam de passar as férias. Depois tem como companhia seres como eu ou outros escribas que aqui se inspiram. Ao mesmo tempo apregoa que no seu «espaço algumas obras já foram iniciadas como a presença assídua de letrados são uma constante».
Homem culto e modesto mas com um coração do tamanho do mundo sabe recompensar quem o ouve. Para os menos viajados, tem uma forma de detalhe muito própria, fazendo com que todos fiquem a conhecer o lado de lá de Espanha.
Ensinou-me que a «Praia da Vieira nasceu de uma pequena comunidade de pescadores que se lançavam ao mar embravecido em grandes barcos em forma de meia-lua, para horas depois, com a ajuda de uma junta de bois, arrastarem para terra as redes cheias de peixe». Este tipo de pesca artesanal chama-se “Arte Xávega”. Mas a «acção do mar, do vento e das areias tornaram difícil a fixação humana». Hoje quando o «mar permite, mais ou menos a partir da Primavera e até final do Verão» lá se faz ao mar, um pequeno barco típico, que vai deixar as redes. Mais tarde, com a ajuda dos «mais curiosos que estão na praia» puxam-se as redes, para a areia, cheias de peixe a brilhar.
Sabe também que alguns escritores deixaram na “memória do tempo” pequenos retalhos onde está bem descrito como famílias de outrora tiveram que «ir por aí abaixo em busca de melhores condições», hoje, conhecidos como os “Avieiros”. Num preâmbulo ao acaso citou-me de cabeça um pequeno enxerto do romance “Nascida Na Terra do Vento”«…visitaram as aldeias avieiras, que foram em tempos uma comunidade de avieiros, pescadores que vieram de Vieira de Leiria em meados do século passado e aqui (margens do rio Tejo, entre Constância e Vila Franca de Xira) edificaram as típicas casas em madeira, construídas a pensar nas cheias de Inverno…». Uma autêntica enciclopédia este meu amigo.
No seu “dia de descanso”tem de ir ao mar gostem ou não os pardais quando fazem chinfrim nos telhados logo que rompe o Sol. Não sabe viver sem falar para o mar -talvez para soprar aos ventos aquilo que só a sua alma sabe.
Da sua esplanada posso ouvir o barulho ensurdecedor que as ondas raivosas fazem rebentando desalmadamente na areia como se esta fosse culpada. O cheiro do rebentamento das ondas delicia-me. O mar faz-me sentir um minúsculo grão de areia. Assusta-me pensar na minha pequenez perante o mar para ao mesmo tempo o Sol me seduzir quando desaparece no crepúsculo cintilante de azul a ouro.
Outras vezes, quando as noites estão mais tranquilas e as estrelas salpicam o céu negro viajo no silêncio da noite para ver se encontro o local onde estão as pequenas luzes que iluminam aqueles que buscam melhores dias.
Da última vez que lá estive a longa avenida estava cheia de areia dando a impressão que a maldade do homem a tinha tirado da praia. O resplandecente mostrava tristeza. Até o areal estava devastado pela falta da essência que faz a sua beleza. Os ventos das «Nortadas de Abril» com a sua fúria tinham roubado a areia para a colocar no caminho do vaivém das pessoas.

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