No outro dia pus-me a pensar… Ultimamente são raros os dias em que acordo com aquela disposição exuberante e sonora do “querer viver”. Do “querer viver” a sério. Do pular da cama com a energia nos píncaros. Do ansiar por ouvir a música que surgiu subitamente sob a forma de um murmúrio. Do querer desesperadamente encontrar aquela pessoa. Do ter vontade de mergulhar fundo nas entranhas do mundo e revolvê-las com a pressa de chegar ao outro lado de mim que está escondido atrás de um dos biombos do futuro. Do conseguir sonhar com a rapidez do antigamente. Do olhar o sol e ver nele a promessa de um dia feliz que me vai embalar e fazer adormecer com o conforto de saber que vivi, que não está a ser em vão… Sinto saudades daquela alegria que costumava ser a minha e que parece que tropeçou e se perdeu numa das pedras da calçada que percorro, invariável e diariamente, para chegar ao trabalho.
A maior parte das vezes arrasto-me pelos dias com o vagar soturno de quem não está muito preocupada com a finitude da vida. Pura mentira. Estou. Ao contrário do que os meus gestos afogados na imensa e cinzenta repetição deixam transparecer. Porque é que tem de ser assim? Porque é que os dias têm de ser moldados com a rigidez das 9 as 7? Porque é que o disco das horas não dá para pôr no stop, fazer fast forward ou rewind? Se a vida não deixa marcar horas para sonhar, para amar ou para ser feliz, porque raio tem de marcar horas para trabalhar? Será que todos os que vagueiam nas pedras das calçadas por este planeta afora sentem o mesmo que eu? O mesmo sufoco pardo da prisão? O mesmo desespero pela falta de escolhas? A mesma urgência por uma vida diferente? Tento perscrutar nos seus gestos, no seu olhar, na expressão quase imperceptível que lhes anima o rosto cada vez mais enrugado. Conformação. A conformação transpira abundantemente em todas as esquinas do mundo. Chego a invejá-la. Ela nunca me bateu à porta com o ramo florido da tranquilidade. Apenas acena esporadicamente à janela com um adeus desgarrado pela certeza de que nunca irá ser minha.
O que levamos, afinal, da vida? Um título pomposo no emprego, um punhado de conhecidos com quem partilhamos pouco mais do que o bater dos teclados e a luz ofuscante do computador, um ordenado com quatro dígitos no final do mês? Um retrato em família (a nossa, não a dos companheiros da jaula dos dias)? Um sonho que votámos ao abandono e que, de repente, desatou a perseguir-nos com a faca afiada da frustração? Uma paixão de uma noite? Um amor de uma vida inteira? Um momento no esgoto do tempo? Um instante cravejado de diamantes? Um álbum de fotografias amarelecidas pelo vazio do irrepetível? Uma casa à beira mar onde nos desenrolámos com as ondas e demos à costa em formas impensáveis de conchas? Um compromisso com o futuro a cumprir pela mão incerta dos filhos (os que já temos ou os que ainda não tivemos ou os que nunca iremos ter)? Torno a perguntar,.. O que levamos, afinal, da vida? O que é que é importante agarrar com a determinação do imprescindível e o que é que é importante deixar fugir? O que é que é importante esquecer e o que é que importante trancar na memória? O que é que é importante fazer e o que é que mais vale deixar eternamente por realizar numa cama desfeita por consecutivos amanheceres?
28 fevereiro 2008
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1 comentário:
Cara Sara,
São pensamentos normais, que nos assolam a todos de vez em quando.
Um conselho, caso o queiras "apanhar", é que se esse "cinzento" durar mais de 3 meses, procura um psicólogo, pois essa é a maneira mais comum de uma pessoa culta e inteligente (que penso que sejas) usa para descrever uma depressão. ;)
Palavra de Psicólogo...
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