28 janeiro 2008

O Martelo Pneumático

Um cabeleireiro! Um tal de Sr. Tino está a construir um cabeleireiro por baixo dsa minha casa. À primeira vista parece fantástico! Já não tenho de me deslocar para aceder aos múltiplos serviços a que uma rapariga dos tempos modernos recorre para não ser apelidada de vários nomes impróprios.

A um escasso metro da minha cama, numa perspectiva vertical, lá vão estar os secadores, os pentes, os champôs, as ceras depilatórias, as tesouras, os vernizes, e todo o staff próprio destes estabelecimentos que, ultimamente, dada a importância crescente atribuída pela nossa sociedade avançada à pilosidade corporal, adquiriram um estatatuto ímpar. Atrevo-me até a especular se um bom cabeleireiro nos tempos que correm não será o equivalente a um bom padre do nosso passado português ferozmente religioso. Afinal, um bom cabeleireiro, não só trata do visual, o que hoje em dia significa, literalmente, tratar da alma, dado que sermos bons passou a significar sermos bonitos, como também é o confidente nos bons e nos maus momentos, aconselhando de acordo com os princípios vigentes nas bíblias dos tempos modernos. As bíblias são, como se sabe, as revistas Caras, Lux, Vip, e por aí fora. Quanto aos apóstolos, também eles mudaram, sendo os mais populares: a Cinha, a Lili, o Castelo Branco, o Frota, os actores e actrizes dos Morangos com Açúcar, o tipo dos bares Amo-te, a moçoila que antigamente respondia por um nome masculino, a ex-striper convertida a uma profissão politicamente decente, entre tantos outros. Em suma, há apóstolos com fartura, ao gosto de toda a gente, e isso é que o povo gosta: um apóstolo a cada esquina, que não só cava batatas, como as cava na televisão e nas revistas em troca de uns quantos euros; importa salientar que o euro anda a substituir rapidamente as já fora de moda hóstias.

Contudo, apesar desta lista bastante generosa das vantagens de ter um cabeleireiro tão perto de mim, a ideia não me está a agradar absolutamente nada. Passo a explicar - para o raio do cabeleireiro “nascer”, todas as manhãs, por volta das oito horas, tenho de suportar a acção contínua do martelo pneumático, do berbequim, e de um outro martelo, quiçá não pneumático, mas igualmente poderoso no que toca a sonoridade. É caso para dizer que o parto da porcaria do cabeleireiro está a custar mais a mim que ao Sr. Tino, o pai oficial, que, provavelmente, estará sossegado em sua casa na ronha propícia a esta hora da manhã.

Claro que o barulho medonho destes instrumentos modernos da construção civil estimula a minha imaginação de uma maneira algo negativa, pois começo a imaginar cenários sangrentos, que põem em causa a menina certinha e de boas famílias que eu sou.

Para concluir, eu sei que esse belo instrumento, que dá pelo nome algo rocambolesco de martelo pneumático, é essencial ao crescimento económico do nosso país, e não tenho nenhuma objecção a que o Sr. Tino construa o seu cabeleireiro por baixo do meu quarto, apesar de não ser grande aficcionada da religião moderna. Mas tenho sim um comunicado a fazer aos cabrões dos construtores civis modernos: NÃO POUPEM NA CONSTRUÇÃO DA MERDA DAS PAREDES! E, ressalvo a legitimidade deste pedido, com outro pormenor, que daria para outra longa dissertação: duas vezes por semana oiço as actividades conjugais dos meus vizinhos, que, atrevo-me a avaliar, nada tem de excêntrico ou de anormalmente barulhento, o que comprova a finura das paredes! Recuperando um princípio antigo, no que toca a paredes, gordura é formusura!

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