Certa vez, estava eu com uma carraspana de caixão à cova, vi-me na obrigação de comprar uma série de medicamentos na farmácia para atacar o malfadado bicho da constipação. Resolvi também comprar um termómetro; pela mesma curiosidade mórbida que nos leva, em dias mais cinzentos da existência, a abrandar o ritmo mal avistamos um acidente no meio da estrada – já sabia que estava a arder em febre mas, dado que a minha imaginação não parava de fantasiar números, resolvi saciá-la com números verídicos.
A senhora farmacêutica trouxe-me uma embalagem contendo um termómetro digital. Ia recusar, dizer que não queria tamanha modernice, dizer que era uma rapariga adepta de coisas simples, mas a porcaria da febre deve-me ter toldado o juízo nesse dia e lá trouxe o dito cujo.
Cedo bastou para perceber que o termómetro digital era uma grandessíssima merda. Passei alguns minutos a ler as instruções, apesar do baile tresloucado das letras diante dos meus olhos, tal era o meu estado febril. Constava nas ditas instruções que o termómetro maravilha apitava quando estivesse pronto a ser colocado no local eleito para a medição (no meu caso o eterno sovaco, dado nunca me terem parecido apropriados outros sítios mais vanguardistas). Até aqui, tudo muito bem. O apito suave do termómetro tranquilizou-me ao ponto de começar a achar que, afinal, as modernices aplicadas ao sector dos instrumentos eternos da nossa infância até eram uma boa ideia. O busílis começou a partir daqui. Para tirar o termómetro, devia esperar, não os usuais cinco minutos, mas até ao momento em que o sinal sonoro apitasse outra vez. Esperei, esperei e desesperei. Esperei até o Aspegic já ter remexido em todos os cantinhos do meu estômago. Nada acontecia! Repeti todo o processo várias vezes, inclusive quando fiquei melhor. Tudo na mesma: nada acontecia! Acho que o termómetro era daqueles sindicalistas radicais que entrava em greve ao segundo apito. Face a este cenário, arrumei-o a um canto e regressei às origens, passando a usar, impreterivelmente, o termómetro velhinho e tradicional da minha criancice, carregado do banal mercúrio rosado e despido das arrogâncias dos botões digitais e das taras e manias dos sinais sonoros.
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