16 novembro 2007

Os dias em que me apetece ser cão

7 Horas e 50 Minutos:
O despertador toca. Já não suporto ouvir aquela música. É a melodia ingrata que me arranca à bruta, ou melhor, praticamente à paulada, para fora dos lençóis todas as manhãs. O pior de tudo é quando aquele som prenuncia um dia igual a tantos outros; o que, é preciso dizer, acontece quase todos os dias.
Uma vez li num lado qualquer que o Homem é o único animal que se deita quando não tem sono e acorda quando ainda o tem. Não deixa de ser irónico pensar que, com toda a minha racionalidade e neurónios e afins, o meu cão, supostamente inferior na cadeia da evolução, pareça muito mais feliz do que eu durante o período matinal. É vê-lo a espreguiçar-se lentamente e a deslizar as suas patas peludas pelo chão até à cozinha, onde fica pacientemente à espera que a torrada, especialmente preparada para ele, saia da torradeira. Às vezes, quando a noite não lhe corre de feição (o que eu suponho que aconteça sempre que tem pesadelos com gatos e ossos perdidos em lutas com outros cães, também eles sôfregos por esqueletos), só aparece quando a torrada salta, com aquele alarido estridente próprio de quem está a arder. Então, o meu amigo de quatro patas, saboreia com vagar o seu manjar tostado, em contraste comigo que, invés de saborear, engulo à pressa o meu pequeno almoço, sempre com um olho fixo no relógio, porque o tempo é traiçoeiro e, quando queremos que ele não passe, é justamente quando os sacanas dos ponteiros resolvem começar a correr a maratona, quais atletas esfalfando-se para alcançar a meta.
8 Horas:
Enfio-me à pressa no duche praguejando, em coro com a água a cair, contra a minha vida, a transbordar de contrariedades. Sinto-me farta dos gestos sempre iguais. Perco-me nos meus pensamentos: talvez todos nós sejamos robots…
8 Horas e 15 minutos:
Já estou atrasada! Bolas! Se fosse mesmo um robot não estava atrasada! Ou, se calhar, até estava: posso ter sido mal programada, por um desses informáticos amadores a quem o vício das máquinas não aguçou o engenho. Visto-me a correr e retoco as olheiras, que vão crescendo em profundidade e escuridão è medida que a semana avança e o calendário progride implacavelmente, de espingarda em riste, na matança dos anos.
8 Horas e 25 minutos:
Encaminho-me para a porta da rua e, ao passar por Sua Excelência felpuda, que, por essa hora, rebola calmamente os seus costados pela carpete, fico com ganas de o arrastar comigo todos os dias. Para que se faça justiça e ele enfrente, diariamente como eu, estes dias saídos das entranhas da monotonia…

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