16 novembro 2007

Quando as pessoas me irritam e só me apetece enchê-las de porrada.

Se eu fosse gajo passava a vida à porrada. É inimaginável a quantidade de vezes que me apetece distribuir socos, cabeçadas, pontapés, joelhadas, caldos, murros, lamparinas, cotoveladas, marretadas, biqueiros, estalos, dentadas, pisadelas, puxões de cabelo e estaladas, entre outros estilos de pancadaria que agora assim de repente não me estão a ocorrer, pelas pessoas que cruzam desajeitadamente a minha vida, tropeçando nela e incomodando a minha existência harmoniosa. Pergunto-me, repetidamente, se toda a gente será como eu, ou se, pelo contrário, sou um bicho raro com genes de violência perigosamente intrincados no meu ADN de fêmea com ar bondoso, compreensivo e meigo (modéstia à parte, até acho que o tenho). De certa e determinada forma torna-se irrelevante a resposta a esta questão tão pertinente, dado que o fulcral da coisa é que as pessoas até que merecem apanhar! E merecem-no nas mais variadas ocasiões, as quais passo a citar:

- Quando não desviam as suas massas corporais opulentas da minha frente em alturas onde seguimos pela mesma faixa do caminho;

- Quando têm a mania que têm muita piada e distribuem gracinhas cujo humor parco devia imediatamente rachar-lhes todos os dentes que têm na boca;

- Quando se pespegam à minha frente com o ar altivo e convencido, próprio de quem vive na ilusão de que é superior a mim;

- Quando, em dias em que a pressa toma conta do meu ser, não avançam com os seus bólides foleiros mal o sinal fica verde;

- Quando, num elevador cheio, ou autocarro, ou metro, ou o que quer que seja que tenha a particularidade de poder ficar a abarrotar de pessoas, insistem em entrar, empurrando, entalando e sufocando sem o menor pudor e respeito pelo contacto corporal os ocupantes iniciais;

- Quando falam tão baixo que parece que é de propósito para me fazerem sentir surda, como que numa insinuação muda de que preciso de extrair a cera dos ouvidos com cotonetes;

- Quando são estúpidas e os poucos neurónios que sobrevivem no seu autêntico deserto de miolos se recusam a admitir as suas limitações;

- Quando cruzam a perna de determinada forma, ou fazem um trejeito específico com a cabeça, ou algo do género que me faça lembrar alguém que eu não goste e que já tenha querido matar com a caçadeira (sim, às vezes a simples ideia de pancadaria não me satisfaz e tenho fantasias mais sangrentas);

- Quando fazem troça dos velhinhos na rua que, lutando por manter a dignidade, emaranham as suas bengalas nas pedras da calçada perdendo o equilíbrio;

- Quando me tentam enganar com truques e mentiras directamente expelidos pelo esgoto do seu mau carácter;

- Quando são muito certinhas e agem sempre sob a batuta do bom senso, nunca abandonando os padrões normais do comportamento e mandando as regras da sociedade à puta que as pariu;

- Quando grunhem coisas sem nexo e estão à espera que eu as perceba;

- Quando não aprenderam a andar convenientemente aos dois anos e pisam os meus delicados pezinhos com as suas patas retardadas que chumbariam no exame da movimentação;

- Quando me mandam bocas porcas no meio da rua, como que tentando resumir-me a um mero objecto sexual; aliás, às pessoas que só conseguem ver em mim um bom bocado de chicha, confesso que tenho vontade de ir mais longe e de lhes arrancar todos os órgãos possíveis e imaginários à facada para, posteriormente, os pendurar à janela com um grande letreiro: “A mim não me fodes tu meu cabrão!”;

- Quando entram na casa de banho primeiro do que eu, despejam a merda toda que transportam nos intestinos e inundam o ambiente do cheiro pestilento a bosta quentinha, acabadinha de sair, do qual se deviam envergonhar ao ponto de só saírem do cubículo da sanita quando o odor se resolvesse a desopilar, de modo a eu nunca me aperceber de nada;

- Quando se vestem, agem e pensam todas da mesma maneira, não se bastando em pertencerem ao grande rebanho humano do qual todos, involuntariamente, fazemos parte, e ambicionando também por pertencerem a outros rebanhos mais específicos, com castas e ritmos próprios; a falta de originalidade devia, no meu entender, ser punida! ;

- Quando acordo com os sinos do mau humor a tilintarem na minha cabeça com um eco que me ensurdece a paciência, esgotando a minha tolerância para suportar outros animais de duas patas como eu;

Se calhar não é normal esta súbita vontade de estrangular as pessoas de vez em quando. Se calhar devia tomar uns calmantes ou fumar umas ganzas para refrear estes meus instintos selvagens. Se calhar devia procurar um psiquiatra. Se calhar devia praticar boxe nos tempos livres. Se calhar devia começar a praticar uma qualquer religião que me ensine a lidar com esta revolta, profusamente entranhada em mim. Ou, se calhar, devia simplesmente deixar passar o tempo, semeando ventos e colhendo tempestades. Porque, a bem ou a mal, o tempo há-de sempre passar, arrastando com ele estas tendências assassinas.

O Pó da Alma

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